sábado, 26 de fevereiro de 2011

E foi assim que me contaram... (1)

Aquele cômodo era pequeno demais para duas ou três pessoas. Mas grande o suficiente para que a harmonia ressoasse perfeitamente no quarto. Suas paredes eram amareladas devido ao tempo, seu assoalho de madeira não era tão viçoso como antes, e a pequena janela permitia que a luz incidisse em todo o local. Havia um antigo piano de parede naquele cubículo, cujo som era maravilhoso. Percebia-se que todo dia durante anos e anos uma pequena criança descobriu o valor daquele quartinho.

Uma linda garotinha de vestido claro cheio de rendinhas e cabelo escuro e curto. Seu nome ninguém sabia. Ela nunca apareceu na rua em que morava. Os vizinhos não sabiam de nada que ocorria naquele lote. Apenas que uma família morava lá.

Aquele lote, era um lugar maravilhoso para se morar. A casa não era extravagante, mas era bem ajeitadinha. Para se entrar na casa, um lindo jardim bem cuidado. Com muitas flores bem distribuídas naquele espaço da calçada até a porta. Embaixo das janelas da frente, um pequeno espaço para o cultivo de plantas. E mesmo que a vizinhança não soubesse do que acontecia dentro da casa, a antiga família era muito querida pela vizinhança.

Até que durante uma forte chuva, enquanto o casal voltava para sua casa depois de uma longa viagem, a ponte que estavam passando foi arrastada pela forte correnteza da água. Seus corpos nunca foram encontrados. Sem pistas de onde a família podia estar, os antigos vizinhos desistem de procurá-los.

Assim, o jardim da casa em que a família morava, era ainda cuidado pelos moradores, que nunca adentravam mais que o jardim da frente. E não demorou para que uma nova família se mudasse para aquela casa. Tinham uma linda garotinha que tinha facilidade em tocar qualquer instrumento apesar da pouca idade. Era conhecida como a garota prodígio. Enquanto o casal ajudava em descarregar as mudanças, a pequenina tratou de explorar aquele lugar.

Ia abrindo porta por porta, até achar uma trancada. Logo, começou a procurar pela chave. E descobriu que estava do lado da porta, em um fundo falso debaixo de um dos pisos. Destrancou a porta e viu que naquele comodo havia um piano. Sentou e começou a deslizar seus dedos sobre as teclas velhas de um piano. E então, a porta começa a se mexer, e atrás dela estava uma outra criança da mesma idade que aquela recém chegada. Havia uma anormalidade nelas: ambas podiam comunicar-se através das vibrações produzidas por aquele instrumento.

Como os pais trabalhavam muito, não percebiam que a filha passava horas e horas tocando no piano. Mas os moradores mais antigos ficaram receosos ao perceberem que havia algo de diferente naquela garota para ser apenas um prodígio musical. A começar pela grande semelhança entre as duas meninas e depois pelo fato de tocarem as mesmas músicas.

Para tentar espantarem a tal lembrança que aquelas músicas trazia aos moradores, foi feito então uma sabotagem: provocar um incêndio naquela casa considerada como o 'lar dos demônios'.

E assim foi feito: enquanto o casal trabalhava, os moradores da rua amontoaram as folhas secas do jardim em volta da casa. Após isto, todos iam para seus respectivos lares e uma pessoa qualquer jogaria uma pituca de cigarro para atear o fogo.

Tudo ocorreu como o planejado. Porém, os moradores ao verem as chamas tomarem conta da casa, sentiram um forte arrependimento. Acionaram os bombeiros e enquanto esperavam, tentaram apagar as chamas como podiam. E nisto, ouviram então uma melodia vindo da casa. Nada se ouvia além das labaredas e aquele som. Era o piano tocando algo extremamente triste e fez com que as pessoas parassem para refletirem sobre seus atos. Junto com as vibrações pesadas vindo do instrumento, ecoava na cabeça das pessoas perguntas como "qual o motivo de vocês terem feito isto?; O que eu fiz à vicês?; O que aquela garotinha fez à vocês?; Por quê?"

Então, quando os bombeiros chegaram, viram algo totalmente assustador: de acordo com o pedido de socorro que receberam, uma casa estava em chamas, e não pessoas. Estas estavam paralisadas com os corpos em chamas. Imediatamente, os bombeiros apagaram as chamas que queimavam-nas. Entretanto, elas não se mexiam. Estavam paralisadas, paradas no tempo, em recordações de remorço.

Começaram então a andar em direção à casa que tentaram queimar, ignorando os bombeiros e enfermeiros que tentavam prestar os primeiros socorros. Os corpos, mesmo sem chamas, continuavam a queimar freneticamente. E todos, como em uma sinfonia e ao som melancólico do piano, pediram perdão e sumiram em cinzas carregadas pela brisa.

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